terça-feira, 5 de janeiro de 2021

eu acho que a coisa mais difícil desde março tem sido ficar dentro de casa com uma criança. nunca fui muito fã de crianças, e a minha criança não é diferente.

não durmo muito bem há dias, estou esperando esse momento passar e dormir belamente novamente, e somado ao fato de estar sem nada muito interessante na vida desde março, onde tudo é previsível até demais, eu estou emocionalmente instável.

brigamos agora pouco na cozinha por uma fruta. ela não sabia que fruta era e como abrir. mas veja, ela tem nove anos, e era uma mexerica, que tem um puta cheiro forte. e ela tentava descascar com um descascador de legumes. não sem antes ter feito um enorme drama sobre não conseguir abrir a fruta. então eu peguei o descascador de legumes e joguei na pia; essa cena toda, esse drama todo por absolutamente nada, meu deus, eu não aguento mais. então, ela pegou uma faca, que não corta essas coisas, pois são aquelas facas de refeição que a serrinha não serve pra muita coisa, mutilou a fruta, deixou uma meleca na pia, e saiu choramingando, novamente.

tudo é seguido de um choramingo. de um exagero. de um drama desnecessário. e todo mundo, dentro desse limite que atingimos de simplesmente estar, todos, ocupando esse espaço, entramos nesse exagero, nessa irritação, nesse drama.

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gostaria de descobrir como é existir no silêncio novamente. das poucas vezes que saí para fazer algo sozinha, pegar um ônibus, fiz questão de sair mais cedo do que precisava, só pra passar esses dez minutinhos ali, contemplando o existir, a inutilidade de tudo, mas em silêncio, sem compromisso. estar numa casa com outras pessoas, e todas serem dependentes de todas, faz tudo ser parte do dia do outro. qualquer passo diferente é motivo de questionamento. existir fora dos padrões estabelecidos é uma infração; minha insônia é problema de todo mundo.

penso, então, em ficar essas horas existindo, ler alguma coisa, não sei. mas isso é difícil. se eu não vou dormir, duas, três horinhas, que seja, de noite, eu não vou poder dormir hora outra nenhuma. também porque o menor ruído é motivo de apontamento. e, sinceramente, eu não posso fazer nada. é o ciclo da madrugada não dormida, ter sede, beber água, ter vontade de ir no banheiro, o ar condicionado desligar, o  quarto ficar quente, ligar o ar condicionado, ter sede, beber água, o cachorro rosnar....

neste momento, até o cachorro é um problema. eu amo ele, demais. mas eu só queria que ele não deitasse na minha cama, que ele não tentasse me morder ao querer entrar/sair do meu quarto. e me sinto mal, com tanto tempo disponível, eu não brincar e fazer mais carinho nele. aí, acho que não queria ele.

responsabilidade é um grande problema. e eu, nos meus quase vinte anos, não queria estar trancada dentro de casa sendo tão responsável por tudo o que acontece aqui dentro, pois é impossível não ser.

esses exageros do dia a dia trancada, que são causados pelas ausências. 

eu não vejo a hora de olhar isso tudo, como passado, existindo com outras perspectivas, em outros lugares.