sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Hadassa

     Olhou o mar. Ela adorava o mar.
     Todo fim de ano, sua família ia para a praia, passar a virada, numa casinha na beirada da areia, herdada dos avós da moça. Passavam, geralmente, duas semanas no lugar, duas semanas que Hadassa sempre soube aproveitar, e muito.
     Corria na praia, em direção e no ritmo do nascer do Sol. Depois, deixava as ondas a levarem para longe dali. Seus sonhos tomavam forma. Tudo era possível. Tudo era bonito.
     Depois, Hadassa garota ia para casa, tomava um longo banho, e ajudava o pai a preparar o almoço, que sempre incluía algum fruto do mar. De tardinha, acompanhava o pôr do Sol, e a família se reunia para conversar.

     Mas isso tudo, agora, estava longe.

•••

     Hadassa morava numa cidade grande, movimentada, poluída. Não tinha nada em comum com a pequena cidade de veraneio. Trabalhava o dia todo, em diversos afazeres. Seu pai tinha morrido de câncer uns três anos atrás. Não via sua mãe há dois anos. Haviam brigado logo após o falecimento do pai. E claro, a cidade não tinha praia.
     A vida era corrida, e ela não tinha tempo pra muita coisa que gostaria de ter. A cidade era cinza e triste. Assim como Hadassa, que então, decidiu que não seria mais triste, com a vida corrida na cidade cinza.

     Comprou passagens para uma dessas praias bonitas e caras, preparou as malas, e partiu em busca da paz de espírito, da calma... da felicidade, enfim.
     Chegando no lugar, se instalou num bom hotel, tomou algum drinque bonito, e foi em busca da praia. Descobriu que aquela praia não lhe trazia o que ela esperava, então, procurou algum lugar nas montanhas, com o frio. Talvez o contraste lhe desse o efeito.
     Viajou para as montanhas, cheias de neve, de roupas pesadas e bebidas fumegantes. Ainda assim, não achou o que procurava. Decidiu voltar para casa.

•••

     Correu pela praia, sentiu a água batendo nos pés, a brisa na pele. O ar estava salgado e feliz. Hadassa se sentia bem consigo mesma.

•••

     Voltou para sua rotina. Sentiu-se, novamente, pressionada, infeliz e perdida. Nesse momento, soube que não era o lugar, mas que ela já tinha arruinado tudo por conta própria, e que não poderia respirar aliviada antes de corrigir tudo.
     Despediu-se do trabalho. Conversou com a mãe. Mudou o corte de cabelo, e sentiu-se determinada e pronta para qualquer coisa. Então pensou na praia. Era lá, sim!

•••

     Morava há dois meses na casa de praia da família. Havia pintado o exterior de rosa e turquesa, e decorado o interior com redes e almofadas confortáveis. Nada remetia ao passado cinza da cidade. Lia muitos livros sobre tudo, fazia mutias caminhadas pela praia, comia muitos camarões.
     Ela sentia-se bem consigo mesma.
     Olhou o mar. Ela adorava o mar.
     Adorava, principalmente, as lembranças que ele lhe despertava. Aquele mar.
     Foi deixando as ondas levarem os pensamentos para longe, e ela também foi para longe. Tornou-se mar. Misturou-se com os oceanos, virou chuva, regou a flor. Ela foi longe, mas nunca saiu do lugar.

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